Nós tínhamos, fora do Brasil, dois grupos auxiliares dos Aliados: a Esquadra de Patrulha, comandada pelo Almirante Pedro Max de Frontin, e a Missão Médica, chefiada por Nabuco de Gouveia. Ambos foram atingidos pela pestilência que grassava na Europa, Ásia e África quando entraram em portos do primeiro e terceiro continentes. No princípio pouco se soube do que se passava nos nossos vasos de guerra, o segredo sendo guardado com mais cuidado que no La Plata, saído daqui a 18 de agosto, conduzindo nossos médicos e que deve Ter se infectado a 29 do mesmo mês, quando tocou em Freetown, Serra Leoa, onde grassava a moléstia reinante. Mais um pouco e a viagem começou a ser o inferno que nos descrevem Álvaro Cumplido de Santanna e Mário Kroef nas suas reminiscências. A 9 de setembro os primeiros corpos são jogados ao mar. A 22 chegaram telegramas contando as desgraças da Missão Médica, o que é confirmado, oficialmente, a 27, quando Nabuco dá notícia de Influenza entre seus comandados. Nesse dia o Nestico chegou em casa com um monte de boatos que pouco impressionaram. Entretanto o demônio já estava em nosso meio, ainda não percebido pelo povo como a desgraça coletiva que ia ser, mas já tendo chamado a atenção das autoridades sanitárias, pois a 30 de setembro Carlos Seidl põe a funcionar um serviço de assistência domiciliar e de socorro aos necessitados. Estava reconhecido o estado epidêmico. A 3 de outubro, o Diretor de Saúde Pública alerta os portos e determina as medidas de profilaxia indiscriminada. Neste dia chega à Guanabara mais um barco eivado – o Royal Transport. Antes, a 14 de setembro, a Demerara tinha entrado com doentes a bordo. Provavelmente outros tinham antecipado esses transportes, sem chamar a atenção, mas já contaminados e contaminando. A doença irrompeu aqui em setembro, pois em fins desse mês e princípios de outubro, as providências das autoridades abriram os olhos do povo e este se explicou certas anomalias que vinham sendo observadas na vida urbana; tráfego rareado, cidade vazia e meio morta, casas de diversão pouco cheias, conduções sempre fáceis, as regatas, as partidas de water polo e futebol quase sem assistentes, as corridas de Derby e do Jockey com os aficcionados reduzidos ao terço. É que no meio da população, como naquela festa do Príncipe Próspero, insinua-se – não a Morte Vermelha de Poe mas a Morte Cinzenta da pandemia que ia vexar a capital e soltar como cães a Fome e o Pânico que trabalhariam tão bem quanto a pestilência. It is not deaths that make a plague, it is fear and hopelessness in people – diz Powell. E o que ia ser visto no Rio de Janeiro daria toda razão ao médico americano. (...)
Extraído de Pedro Nava, Chão de Ferro (1976) São Paulo: Ateliê Editorial/Giordano, 2001, páginas 207 a 212.
Pedro Nava (Minas Gerais, Brasil, 1903-1984).